sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL DE VALOR SUPERIOR A 30 SALÁRIOS MÍNIMOS COMO TÍTULO HÁBIL PARA REGISTRO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS



O contrato particular de compra e venda de bem imóvel, celebrado por pessoas naturais ou jurídicas, com o pagamento do preço, ou parte dele, garantido por alienação fiduciária, dispensa a lavratura de escritura pública, servindo como título para o registro da transmissão da propriedade perante o Cartório de Registro de Imóveis, independente do valor do negócio ou do imóvel.

O Estado brasileiro, por intermédio do artigo 108 do CC, prescreveu que "a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País".

Tal monopólio estatal foi excepcionado, de modo que se dispensa a lavratura de escritura pública, na compra e venda de bem imóvel urbano ou rural, celebrada por instrumento particular entre pessoas naturais ou jurídicas, desde que o preço, ou parte dele, seja garantido por alienação fiduciária, ainda que o bem imóvel transacionado tenha valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo nacional.

A alienação fiduciária, ao que importa ao presente estudo, se traduz no negócio jurídico em que o comprador, com o objetivo de garantia da dívida, dá ao vendedor a propriedade resolúvel do próprio imóvel comprado, não sendo privativa das entidades que operam no Sistema Financeiro Imobiliário-SFI, conforme ostenta o artigo 22 da lei Federal 9.514/97, verbis:

"Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

§ 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:

I - bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário;

II - o direito de uso especial para fins de moradia;

III - o direito real de uso, desde que suscetível de alienação;

IV - a propriedade superficiária." (grifos não constam do original)

Nesse norte, a e. Corregedoria Geral de Justiça do Estado de SP já decidiu, em inúmeras oportunidades, que o contrato compra e venda, com alienação fiduciária, não é privativo das entidades que operam no SFI, podendo ser entabulado entre pessoas naturais ou jurídicas:

"NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA - CAPÍTULO XX - Requerimento apresentado pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo - Alienação fiduciária de imóveis - Forma - Escritura pública ou instrumento particular para quaisquer dos contratos previstos na lei 9.514/97 ou resultantes de sua aplicação - Proposta de utilização do instrumento particular com efeitos de escritura pública apenas nos lavrados por entidade integrante do SFI - Não acolhimento." (Autos 131.428/12, Corregedor Des. Elliot Akel, DJ 19/3/14, grifos não constam do original) (No mesmo sentido CGJSP, processo: 049648-26.2012.8.26.0002, DJ: 11/08/2016).

Para ilustrar, trazendo tal dinâmica à realidade cotidiana, um vendedor, por exemplo, oferta a venda apartamento pelo valor de R$ 400.000,00. Ao final, o vende por R$ 390.000,00 à vista e R$ 10.000,00 a prazo, para pagamento em 15 dias, que perante o Cartório de Registro de Imóveis serão objeto de dois atos registrais: (1) registro de compra e venda, levando em consideração, para fins de custas e emolumentos, o valor da transação ou o valor do imóvel, o que for maior; (2) registro da alienação fiduciária, levando em consideração o valor da dívida a prazo, ou seja, a dívida vincenda (no caso os R$ 10.000,00).

Tal venda e compra, ao ser instrumentalizada por contrato particular, em que houve a constituição da garantia de alienação fiduciária para o pagamento da parcela vincenda (R$ 10.000,00), tem força de escritura pública, podendo ser apresentado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis para registro, operando a transmissão da propriedade, na esteira do artigo 38 da lei Federal 9.514/97:

"Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública."

Em decorrência, quando houver o pagamento dos R$ 10.000,00, no exemplo prefalado, os vendedores passarão termo de quitação que ensejará uma averbação com valor, levando em consideração o valor dessa dívida quitada. Tal quitação, ao ser averbada no Cartório de Registro de Imóveis, opera a transmissão da propriedade plena ao comprador de tal imóvel.

Vale dizer, o contrato de compra e venda de bem imóvel urbano ou rural, onde o pagamento do preço de aquisição não se dá à vista, ficando saldo devedor garantido por alienação fiduciária, pode ser celebrado por contrato particular, independente do valor do negócio ou do direito real alienado, tendo, pois, efeitos de escritura pública.

Reprise-se que tal contrato pode ser levado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis que, com o respectivo registro e, ao depois, da averbação da quitação da dívida garantida pela alienação fiduciária, operará a transmissão da propriedade imóvel ao comprador, não precisando se revestir da forma pública, isto é, da escritura pública. Ressalta-se que, após o registro de tal contrato no Cartório de Registro de Imóveis, o comprador somente passará a ser dono da propriedade plena, quando apresentada a quitação da dívida garantida pela alienação fiduciária, para ser averbada na serventia predial. A transmissão da propriedade plena fica condicionada, pois, ao cancelamento da garantia (alienação fiduciária) que garante o cumprimento da obrigação vincenda, no caso ora ventilado, o pagamento dos R$ 10.000,00.

Ademais, a celebração do contrato de compra e venda, com alienação fiduciária, pela forma particular, demanda do comprador um conhecimento mínimo da dinâmica da transação e dos riscos envolvidos no negócio. Caso contrário, a prudência recomenda a lavratura de tal contrato por escritura pública, por ter a assessoria de um profissional com amplo conhecimento jurídico, no caso o Tabelião, que sanara as dúvidas do comprador e operará as diligências pertinentes.

Cumpre, pois, ao comprador, pessoa natural ou jurídica, detentor agora de liberdade de escolha quanto à forma do título, em face do arrefecimento do monopólio estatal, optar conscientemente por revestir seu contrato de compra e venda, com garantia em alienação fiduciária, pela forma pública ou particular.

Jeferson Luciano Canova - Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Mirandópolis-SP.
Fonte: Migalhas de Peso

terça-feira, 9 de outubro de 2018

AS DIFERENÇAS DOS SISTEMAS DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO NO BRASIL



O financiamento é um dos principais canais para o brasileiro conseguir o sonho de comprar sua casa própria. Atualmente, existem dois sistemas de financiamento imobiliário no Brasil: o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI). Ambos possuem regras específicas e critérios de concessão distintos.

Para ilustrar uma das principais diferenças, vale citar uma decisão recente, do último dia 31 de agosto, na qual a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (TRF-5) reformou sentença do Juízo da 6.ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco para impedir a liberação de valores depositados em conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Esses recursos seriam utilizados para a amortização de saldo devedor de financiamento contratado pelo SFI na aquisição de apartamento avaliado, à época, em R$ 1,280 milhão.

Para tanto, como já havia se pronunciado em novembro de 2016, a Segunda Turma do TRF5 fundamentou que a utilização da conta do FGTS para a aquisição de imóveis somente é possível para financiamentos contratados pelo SFH.

O SFH é o mais conhecido, regulado pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, e que se destina a facilitar e a promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população. Além das entidades previstas no art. 8.º da lei, integram o SFH na qualidade de agentes financeiros as demais instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e as entidades fechadas de previdência complementar.

Já o SFI é regulado pela Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997, e tem por finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, segundo condições compatíveis com os fundos respectivos. Além das entidades previstas no art. 2.º da lei, podem operar no SFI as demais instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

Como decidido pela Segunda Turma do TRF-5 – e esta talvez seja a principal diferença entre referidos sistemas -, as operações no âmbito do SFH permitem a utilização de valores depositados em conta do FGTS na compra de um imóvel, o que não acontece nas contratações pelo SFI.

Naquelas operações, os recursos do FGTS podem ser utilizados para: pagamento total ou parcial do valor de aquisição do imóvel construído ou em construção; pagamento parcial das prestações do financiamento; ou amortização ou liquidação do saldo devedor do financiamento.

Outra diferença relevante é que as operações no âmbito do SFH estão limitadas a juros de 12% ao ano para o custo efetivo máximo ao mutuário, que compreende juros, comissões e outros encargos financeiros. Essa limitação não existe nas contratações pela SFI, nas quais as taxas de juros são livremente pactuadas entre as partes.

Essa maior liberdade nas operações realizadas no âmbito do SFI também se reflete na ausência de um limite máximo do valor de avaliação do imóvel financiado, diferente do que se verifica no âmbito do SFH, que o restringe hoje em dia a R$ 950 mil em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília e a R$ 800 mil para os demais Estados do País.

Essa condição específica das operações do SFH, porém, sofrerá alteração a partir 1.º de janeiro de 2019, quando entrará em vigor a Resolução nº 4.676, de 31 de julho de 2018, do Banco Central do Brasil, que a padronizou para todos os estados da federação ao limite máximo de R$ 1,5 milhão.

A alteração em particular tem sido bem vista pelo mercado imobiliário. Por um lado, porque se entende que o consumidor – sobretudo da classe média – terá mais poder de compra ao poder financiar imóveis de valores mais elevados e, nessa medida, deverá haver um aumento da demanda. E, por outro, esse aumento de demanda exigirá das construtoras e incorporadoras novas ofertas de negócios, promovendo incrementos diretos e indiretos na economia, notadamente na geração de empregos.

Gustavo Milaré - Advogado, mestre e doutor em Direito Processual Civil, sócio do escritório Meirelles Milaré Advogados
João Pedro Alves Pinto - Advogado associado do escritório Meirelles Milaré Advogados
Fonte: ESTADÃO

sexta-feira, 27 de julho de 2018

FINANCIAMENTOS DE IMÓVEIS NO PAÍS AVANÇAM 23% NO PRIMEIRO SEMESTRE



O crédito imobiliário no Brasil tem mantido o ritmo de expansão, mesmo com as incertezas econômicas criadas com a greve dos caminhoneiros e com a aproximação das eleições, o que pode fazer o setor ter um desempenho melhor do que o esperado, segundo a entidade que representa as financiadoras do setor, Abecip.

A entidade anunciou ontem que os financiamentos para compra de imóveis na primeira metade do ano cresceram 23%, ante mesma etapa de 2017, para R$ 25,3 bilhões, considerando os recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).

Dada a recente redução dos depósitos compulsórios e a perspectiva de maior entrada líquida de recursos da poupança, a Abecip avalia que sua previsão de alta de 10% do setor neste ano pode ser superada, chegando a atingir até 16%. “Há uma perspectiva de sobra de recursos, o que tem deixado os bancos animados para continuar emprestando”, disse ontem o presidente da Abecip, Gilberto de Abreu Filho.

Se confirmado, o movimento representará a primeira alta do setor em quatro anos. Após ter atingido o pico de R$ 113 bilhões em 2014, o volume de empréstimos pelo SBPE caiu fortemente desde então, até atingir R$ 43 bilhões no ano passado, o menor nível em uma década.

Segundo Abreu Filho, alguns mercados imobiliários mais pujantes, como o de São Paulo, já têm mostrado sinais de recuperação, após construtoras passarem anos se concentrando em reduzir estoques antes de lançarem novos empreendimentos.

Para o executivo, a greve dos caminhoneiros em maio trouxe como uma das consequências o aumento dos juros futuros, o que pode, no médio prazo, levar os bancos a praticarem taxas maiores no crédito imobiliário e impactarem negativamente o setor. Mas, por enquanto, isso ainda não aconteceu e tudo pode depender do comportamento do mercado frente aos resultados das eleições presidenciais de outubro.

Além dos recursos da poupança, a Abecip prevê que o governo deve liberar volumes maiores do FGTS, recursos subsidiados do governo usados, sobretudo, para financiar a compra de imóveis populares. “Neste momento, estamos vendo os bancos mais otimistas do que a própria cadeia da construção civil”, disse Abreu Filho.

Fonte: Diário do Comércio

quinta-feira, 24 de maio de 2018

MERCADO IMOBILIÁRIO SAI COM SEQUELAS DA CRISE E FGTS É CRUCIAL, DIZEM AGENTES DO SETOR



O mercado imobiliário está saindo da mais severa crise com sequelas que incluem um déficit habitacional de 7,7 milhões de moradias, disse o economista-chefe do sindicato do mercado imobiliário Secovi-SP.

"Estamos assistindo o mercado imobiliário brasileiro sair de sua pior crise e com muitas sequelas", afirmou Celso Petrucci, durante seminário sobre a modernização do credito imobiliário promovido pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) em São Paulo.

Ele destacou que a habitação de interesse social foi um dos poucos segmentos que resistiu aos efeitos da recessão, com 500 mil a 600 mil unidades entregues por ano via Minha Casa Minha Vida, um programa financiado com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Mas o interesse de outros setores da economia nos recursos do FGTS vem gerando preocupações entre participantes do mercado imobiliário.

"Precisamos coibir os usos propostos para o FGTS que desviam o fundo do propósito definido em sua criação, que é a habitação de interesse social", afirmou a arquiteta e conselheira do conselho curador do fundo, Maria Henriqueta Arantes.

Segundo ela, o FGTS colocou no mercado cerca de 1,236 trilhão de reais entre 2008 e março de 2018.

A Caixa Econômica Federal é o agente operador do FGTS e se encarrega juntamente com o Banco do Brasil das contratações do programa habitacional Minha Casa Minha Vida (MCMV).

"O BB atua como coadjuvante da Caixa em habitação de interesse social", disse o gerente-executivo de crédito imobiliário do BB, Lúcio Bertoni. De acordo com ele, a carteira de crédito imobiliário do banco atualmente soma cerca de 50 bilhões de reais. "Nosso compromisso é fazer 20 por cento do MCMV", acrescentou.

No caso da Caixa, o superintendente nacional da rede executiva e negocial de habitação da instituição, Henrique Marra, observou que está no radar a busca de outras fontes além do FGTS para financiamento de habitação de interesse social.

Fonte: DCI

quarta-feira, 23 de maio de 2018

COMO AVALIAR O PERFIL DO LOCATÁRIO ANTES DE ASSINAR O CONTRATO?



Para o locador o aluguel representa uma forma de complementar sua renda ou até mesmo ser sua única fonte de renda.

Sendo assim, quando o imóvel está desocupado é natural que surja uma certa urgência em celebrar um novo contrato de locação.

Mas essa pressa pode comprometer uma análise mais precisa do perfil do locatário.

E é importante lembrar que, via de regra, o locador entregará as chaves do seu imóvel para uma pessoa desconhecida.

Portanto, anexar apenas a cópia do RG, CPF e comprovante de renda do locatário ao contrato não é o bastante.

Existem três avaliações do perfil do locatário que no meu ponto de vista são indispensáveis, são elas:

1. AVALIAÇÃO DOCUMENTAL

Na avaliação documental a intenção é se certificar de que a pessoa que está fechando o negócio de fato é quem diz ser.

Além de evitar fraudes essa cautela possibilitará que o locador tenha a qualificação completa do locatário caso seja necessário ingressar com uma ação de despejo.

Os documentos que o locador deve exigir são:

Cópia do RG;

Cópia do CPF;

Cópia da certidão de nascimento (se for solteiro) ou de casamento (se for casado).

2. O PERFIL DO LOCATÁRIO E A AVALIAÇÃO DE VIDA PREGRESSA

Todo mundo tem um passado e a intenção da avaliação de vida pregressaé verificar se até o momento da celebração do contrato existe algum circunstância que pode impactar no pagamento dos aluguéis ou prejudicar a relação do inquilino com os vizinhos.

Portanto, recomendo que o locador:

Verifique se o locatário possui antecedentes criminais na justiça estadual ou na justiça federal do seu estado;

Se existe algum mandado de prisão em nome do inquilino. Essa pesquisa pode ser feita pela internet por meio do Banco Nacional de Mandados de Prisão do CNJ. Afinal, presumo que ninguém vai querer alugar um imóvel para alguém que está foragido;

Certidão negativa de processos cíveis e trabalhistas.

3. AVALIAÇÃO FINANCEIRA

Já na avaliação financeira a intenção é minimizar as chances de inadimplência no pagamento dos aluguéis e encargos com base no histórico de crédito do locatário. Recomendo:

Obter o comprovante de situação cadastral no site da Receita Federal;

Solicitar os três últimos contracheques se o locatário for empregado celetista ou servidor público;

Se o locatário for autônomo ou empresário solicitar a declaração do imposto de renda do último ano;

Consultar se existe restrições de crédito no SPC ou SERASA.

Não existe transação imobiliária isenta de riscos, mas fazendo a avaliação do perfil do locatário as chances de ter problemas com o inquilino no futuro diminuem consideravelmente.

Portanto, antes de fechar a locação é recomendável fazer uma análise documental, verificar a vida pregressa e a saúde financeira do novo inquilino.

Gileat Bomfim - Advogado Imobiliário.
Fonte: Artigos JusBrasil

É POSSÍVEL RESOLVER CONTRATO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA?



As súmulas 543 do Superior Tribunal de Justiça e 1 do Tribunal de Justiça de São Paulo conferiram aos promitentes/compromissários compradores de imóveis o direito potestativo à resolução contratual, seja por falta de condições financeiras para a manutenção do compromisso/promessa de compra e venda, seja por inadimplemento da construtora (hipótese em que 100% dos valores pagos devem ser devolvidos, com correção desde cada desembolso).

Todavia, com a difícil situação econômica do país, os “distratos” passaram a ser mais frequentes e, com eles, surge a seguinte dúvida: é possível resolver contrato de imóvel com alienação fiduciária?

Há posicionamentos que admitem a resolução na hipótese em debate, desde que a propriedade ainda não tenha sido consolidada em favor do credor fiduciário. Tais linhas de raciocínio têm como alicerce o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor e reconhecem o direito de restituição à parte das parcelas pagas ao promitente/compromissário comprador, onde se deixa de aplicar aos casos os artigos 26 e 27 da Lei 9.514/97.

Com o máximo respeito às opiniões divergentes, ousamos delas discordar.

As súmulas do TJ-SP e do STJ não devem ser aplicadas nos contratos onde há alienação fiduciária, pois esses se diferem dos compromissos e promessas de compra e venda.

As promessas/compromissos são instrumentos preliminares que, embora tenham pequenas diferenças entre si, possuem o mesmo objetivo: a conclusão de um contrato principal e definitivo.

O compromissário/promitente se compromete a comprar um bem, com ajuste de pagamento que condiciona à transferência do imóvel, após a quitação.

Contudo, quando se trata de alienação fiduciária, não há que se falar em compromisso ou promessa, mas, sim, de um contrato de compra e venda perfeito com efetivo acréscimo patrimonial para o contratante.

Inclusive, ao nosso viés, a escritura de venda e compra, com alienação fiduciária em garantia, não se submete à Legislação Consumerista, na medida em que é regrada por legislação específica (Lei 9.514/97) que não prevê nem permite a resolução/rescisão do contrato por parte do devedor inadimplente, até porque tal faculdade, se existente, teria condão de desnaturar o contrato de compra e venda, com a lei de alienação fiduciária.

Compartilha dessa visão o eminente jurista e professor José Manoel de Arruda Alvim Neto:

“A Lei n° 9.514/97 disciplina exaurientemente o tema da alienação fiduciária em garantia de imóvel (Arts. 22 a 33); se a Lei nº 9.514/97 disciplina exaurientemente o tema, não é possível cogitar-se da aplicação de outra lei -o art. 53 do CDC, com vistas a interferir, influir, no sistema da Lei nº 9.514/97 alterando radicalmente o sistema do direito positivo da Lei n° 9.514/97, esta última é lei especial, e, o CDC, é lei geral, ocupando, cada diploma, o seu espaço normativo, sendo que esses espaços são diferentes”.

Na situação em comento, a construtora vendedora cumpriu integralmente sua obrigação ao entregar o imóvel celebrando o contrato de compra e venda e financiando o preço, tornando-se, portanto, a credora fiduciária com propriedade resolúvel sobre o bem. É por esse motivo que não existe mais contrato (bilateral) a ser desfeito, aliás, por nenhuma das partes.

Nesse sentido o Tribunal de Justiça de São Paulo:

“CONTRATO DE VENDA E COMPRA COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA Inaplicabilidade do artigo 53 do CDC Impossibilidade de resolução por inadimplemento, restando ao credor, se o caso, executar a garantia real e levar o imóvel gravado a leilão extrajudicial, nos exatos termos da Lei 9.514/97.Acórdão recorrido mantido Embargos infringentes Rejeitados” (Embargos Infringentes 001491 27.2010.8.26.0604/50001).

Portanto, entendemos que não é possível resolver contrato de imóvel com alienação fiduciária, nem mesmo por inadimplemento do comprador, tendo em vista que se trata de objeto perfeito e acabado. O máximo que pode ser feito — pelo credor — é executar a garantia real e levar o imóvel a leilão.

Paulo Roberto Athie Piccelli - Advogado do Athie e Piccelli Advogados Associados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico

segunda-feira, 7 de maio de 2018

COMO O INCORPORADOR PODE AUMENTAR SUAS VENDAS



Na construção de edificações de unidades autônomas, tais como prédios comerciais e prédios de apartamentos, aquele responsável pela incorporação tem de observar rigorosas regras para comercializar estas unidades. Grande parte destas regras estão previstas na Lei de Incorporação Imobiliária, a Lei nº 4.591/64.

Assim, diante do rigor do procedimento e diante do considerável aumento da concorrência de construtoras no país, é interessante trazer um importante instrumento jurídico, dentro da mais estrita legalidade, que, se bem utilizado, permite fazer com que o construtor/incorporador aumente significativamente suas vendas.

Afinal, o consumidor deste tipo de produto (compra de imóveis na planta, por exemplo), num passado próximo, se deparou com situações extremamente inseguras. O exemplo mais conhecido foi o fatídico caso da ENCOL, que já foi considerada uma das maiores construtoras do país.

E para que o leitor compreenda, a ENCOL foi uma grande construtora (na década de 90) que acabou por decretar falência, o que prejudicou milhares de consumidores. Para situar o leitor, segue trecho da revista IstoÉ Dinheiro sobre o caso da construtora:

“Ao pedir concordata em 1998, (a ENCOL) possuía 720 empreendimentos inacabados e deixou 42 mil famílias às portas do desespero. Outros 10 mil clientes já moravam em seus apartamentos, mas não tinham a escritura definitiva do imóvel”.

Pois bem, a construtora era líder do mercado e sua falência prejudicou milhares de consumidores. Em alguns casos, os consumidores conseguiram continuar as construções com outras empresas, embora o custo para o comprador tenha aumentado cerca de 25% do custo inicial da construção. Em outros casos, os consumidores perderam todo o dinheiro investido e estes imóveis continuam até hoje inacabados, jogados às traças.

Portanto, acontecimentos como este toraram o consumidor deste tipo de produto cético quanto à segurança do negócio, o que de certa forma pode prejudicar a venda de imóveis, sobretudo das pequenas construtoras que estão recém inseridas no mercado imobiliário.

É diante de fatos como este que o leitor deve atentar para este instrumento jurídico que, se bem utilizado, pode fazer com que as vendas do construtor/incorporador aumentem significativamente. E é sobre este instrumento que abordarei a seguir.

Existe uma forma de o incorporador de imóveis trazer mais segurança ao seu empreendimento, de forma que o dinheiro utilizado em determinado empreendimento não se misture com o capital de giro da construtora. Aliás, a utilização deste instrumento é uma forma eficaz de o incorporador garantir segurança ao empreendimento e fomentar suas vendas.

A legislação trata deste instrumento em seu art. 31-A, senão vejamos:

Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. 

§ 1º O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva.

O dispositivo acima trata do chamado Patrimônio de Afetação, instrumento que surgiu em 2004, através da Lei nº 10.931. E embora o instrumento seja de conhecimento de muitas incorporadoras, ele é pouquíssimo utilizado, pois não é obrigatório (a lei menciona “a critério do incorporador”).

Através deste instrumento, o patrimônio da incorporação imobiliária será apartado (separado) do patrimônio do incorporador. O parágrafo estabelece que este patrimônio não se comunica com os demais bens do incorporador e só responderá por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação.

Na prática significa dizer que caso a incorporadora “quebre”, aquele empreendimento em que se estabeleceu o patrimônio de afetação não será afetado pelas dívidas da construtora. Em outras palavras, isso trará uma enorme segurança para o consumidor, adquirente da unidade autônoma.

E para que o incorporador se utilize do patrimônio de afetação, é exigido que haja uma conta bancária exclusiva para aquele empreendimento e que a incorporadora convoque, logo no início das obras, a assembleia dos adquirentes para que seja eleita a comissão de representantes, que fiscalizará e acompanhará o patrimônio de afetação.

E como isto pode aumentar as vendas do incorporador?

Ora, as construtoras/incorporadoras se utilizam de um importante profissional para a venda de suas unidades, o corretor de imóveis. A proposta é que a construtora organize um material para a venda de suas unidades e treine o corretor responsável para passar ao cliente a informação que mudará seu comportamento diante daquela construtora: a de que aquele empreendimento foi submetido ao regime do patrimônio de afetação.

Para isto, basta passar a informação correta ao corretor de imóveis e ao cliente, explicando de maneira clara o que é o patrimônio de afetação e como ele pode trazer maior segurança ao consumidor.

Assim, caso a incorporadora quebre, a unidade imobiliária adquirida pelo consumidor não sofrerá nenhum tipo de constrição judicial (como penhora, por exemplo). O que permitirá que os adquirentes das unidades daquele empreendimento se unam e deem continuidade em sua construção, de maneira independente da situação financeira do incorporador originário. Ou seja, o consumidor não perderá dinheiro nem o imóvel.

Este instrumento pode, ainda, ser uma poderosa forma de o pequeno incorporador se destacar e concorrer com grandes empresas do mercado imobiliário. Isto porque a legislação não obriga o incorporador a se utilizar do patrimônio de afetação. Ele é facultativo. Razão pela qual, pela experiência prática, ouso dizer que menos de 5% das incorporadoras se utilizam dele.

Portanto, está aí uma grande oportunidade para o construtor/incorporador se destacar em seu mercado e aumentar a credibilidade com seu cliente e, consequentemente, suas vendas.

BIBLIOGRAFIA:



Fellipe Duarte
Fonte: Blog do autor. 

segunda-feira, 30 de abril de 2018

ABRAINC E FIPE: VENDAS DE IMÓVEIS DEVEM CRESCER 15% EM 2018



As vendas de imóveis no país devem crescer 15% em 2018, para o patamar de aproximadamente 120 mil unidades, de acordo com projeções da Associação Brasileira de Incorporadoras (Abrainc) feitas em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Se as estimativas forem confirmadas, o mercado imobiliário voltará ao mesmo nível de vendas registrado em 2014, antes do aprofundamento da crise econômica nacional.

Até fevereiro, as vendas acumuladas em 12 meses chegaram a 78,6 mil unidades, enquanto os lançamentos foram a 85,3 mil unidades, segundo dados divulgados há pouco pelas instituições.

“É possível dizer, categoricamente, que o pior já passou. O que não quer dizer, porém, que o setor já está a salvo”, observou o economista da Fipe, Eduardo Zylberstajn, durante apresentação dos números em evento organizado pela Abrainc.

Zylberstajn afirmou que, pelo lado positivo, a economia brasileira deixou para trás a recessão e conta com um cenário marcado pela redução dos juros e da inflação.

Por outro lado, o economista ponderou que as vendas de imóveis ainda são limitadas pela falta de uma recuperação vigorosa da geração de empregos e pelo baixo nível de confiança dos consumidores. “Por mais que a confiança tenha melhorado, ainda estamos em patamares historicamente baixos. Ainda há muita incerteza e insegurança no ambiente”, afirmou, acrescentando que não há indicação de uma retomada mais forte dos empregos no curto prazo.

Zylberstajn estimou que o avanço do setor deverá ser sustentado pelo crescimento das atividades do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), segmento em que há maior demanda e condições mais favoráveis de financiamento.

Por sua vez, os imóveis voltados para o mercado de médio e alto padrão ainda devem evoluir lentamente. Segundo projeções da Fipe e Abrainc, o Minha Casa Minha Vida deve responder por 64% das vendas em 2018, ante 42% em 2014.

Apesar da estimativa de crescimento das vendas, o economista ponderou que não há sinais de um aquecimento nos preços dos imóveis. Durante o “boom” do setor na última década, essa valorização foi sustentada pela redução dos juros e pelo alongamento do prazo de financiamento pelos bancos.

“Com o juro que temos hoje, aparentemente, o preço está de acordo com os seus fundamentos. Qualquer valorização mais forte no preço dos imóveis precisaria passar por uma queda relevante nos juros, aumento dos prazos e recuperação do mercado de trabalho, o que não parece ser o caso para o curto prazo”.

Fonte: Exame

quinta-feira, 19 de abril de 2018

IMPOSTO DE RENDA: STJ DIZ QUE VENDER IMÓVEL PARA QUITAR OUTRO É ISENTO



Nesta terça-feira (17), a 1.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que é isento de imposto de renda o ganho de capital resultante da venda de imóvel residencial utilizado para quitar, total ou parcialmente, o financiamento de outro imóvel residencial. Com isso, o colegiado confirma a decisão sobre o mesmo tema tomada pela 2.ª Turma em outubro de 2016 e abre caminho para que mais cidadãos contestem a incidência do tributo sobre esse tipo de transação.

Atualmente, as decisões do STJ representam apenas precedentes judiciais e, neste acaso, não alteram as normativas da Fazenda sobre o assunto, explica Paula Farias, advogada especialista em Direito e Negócios Imobiliários. “Com mais processos tratando do assunto, porém, possivelmente ter-se-ia um recurso repetitivo e, a partir de então, com a decisão do STJ a respeito do assunto, teríamos a obrigação de sua aplicabilidade em todo território nacional”, pondera a advogada. 

Outra possibilidade é que, a partir da decisão, a própria Fazenda ou o Congresso sinta-se estimulado a prover segurança jurídica para o novo entendimento.

Se por um acaso nem todo o valor do imóvel vendido for utilizado na quitação de outro, aí sim, o IR sobre o valor não utilizado terá de ser recolhido. Isso deve ser feito dentro do que preveem as normativas da Receita Federal, ou seja, dentro de 180 dias após a transação.

O caso que resultou no novo entendimento

Segundo a assessoria de imprensa do STJ, o que ocorreu nesta terça-feira (17) é que o colegiado da 1.ª Turma negou provimento a recurso da Fazenda Nacional por considerar ilegal a restrição imposta por instrução normativa às hipóteses de isenção da Lei 11.196/05. Na prática, a decisão unifica o entendimento de duas turmas de direito público do STJ: em outubro de 2016, a 2.ª Turma já havia adotado o mesmo entendimento ao julgar o Recurso Especial 1.469.478, que teve como relator para acórdão o ministro Mauro Campbell Marques. 

De acordo com informações repassadas pelo STJ, o processo julgado na Primeira Turma, um casal vendeu a casa onde vivia em março de 2015 e, no mesmo mês, usou parte do dinheiro obtido para quitar dívida habitacional com a Caixa Econômica Federal. Entendendo fazer jus à isenção prevista em lei, o casal recolheu o IR incidente sobre o ganho de capital relativo à venda de imóvel apenas sobre os valores não usados para quitar o financiamento. 

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) reconheceu ser válido o direito de não recolher IR sobre o lucro obtido na venda da casa própria, na parte usada para adquirir outro imóvel, conforme preceitua o artigo 39 da Lei 11.196/05. 

A Fazenda Nacional questionou a decisão, com base na restrição prevista na Instrução Normativa 599/05, da Secretaria da Receita Federal, que afirma que a isenção não se aplica ao caso de venda de imóvel para quitação de débito remanescente de aquisição de imóvel já possuído pelo alienante. 

Normatiza da Receita tem “ilegalidade clara” segundo colegiado 

Segundo a relatora do caso na Primeira Turma do STJ, ministra Regina Helena Costa, ao se comparar a Lei 11.196/05, conhecida como Lei do Bem, à instrução normativa da Receita Federal, fica clara a ilegalidade da restrição imposta pelo fisco ao afastar a isenção do IR para pagamento de saldo devedor de outro imóvel já possuído, ou cuja promessa de compra e venda já esteja celebrada. 

“Desse modo, o artigo 2º, parágrafo 11, inciso I, da Instrução Normativa SRF 599/05, ao restringir a fruição do incentivo fiscal com exigência de requisito não previsto em lei, afronta o artigo 39, parágrafo 2º, da Lei 11.196/05, padecendo, portanto, de ilegalidade”, explicou.

“O que fica claro na decisão é que a lei, feita pensando-se no fomento do mercado imobiliário, deve ser interpretada com mais abrangência, ou seja, de forma não limitada apenas à aquisição de um imóvel novo, como já era o entendimento do Fisco”, explica Paula Farias.

Fabiane Ziolla Menezes
Fonte: Gazeta do Povo

terça-feira, 10 de abril de 2018

GARANTIAS LOCATÍCIAS: CESSÃO FIDUCIÁRIA DE QUOTAS DE FUNDO DE INVESTIMENTO



Prevista no inciso IV, do artigo 37, da Lei 8.245, de 18 de Outubro de 1991 - Lei do Inquilinato, a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento foi incluída ao rol de garantias locatícias por intermédio da edição da Lei 11.196, de 21 de Novembro de 2005, e disciplinada complementarmente pela Instrução 432 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) , de 1° de Junho de 2006, que dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento dos fundos de investimentos destinados à garantia de locação imobiliária e a cessão fiduciária, em garantia de locação imobiliária.

Tendo o legislador pormenorizado a função, bem como a estrutura jurídica, desta modalidade de garantia, as quais encontram-se gravadas no artigo 88, e seus respectivos parágrafos, da Lei 11.196/2005, passível de afirmação de que a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento é uma garantia típica.

Por outro prisma, esta garantia também pode ser classificada como sendo uma garantia real, isto pelo fato de que a transferência necessariamente ter que ocorrer da titularidade sobre as quotas de determinado fundo de investimento do locatário, ou de terceiro cedente, para o locador, as quais estarão, e permanecerão, sob a guarda de uma instituição financeira, que, neste contexto, figurará como agente fiduciário.

Nota-se, por oportuno, que não houve imposição restritiva do legislador em relação à quantidade, ao tipo ou ao valor das quotas cedidas em garantia, diferentemente do que ocorre com a caução em dinheiro que é limitada monetariamente ao valor máximo correspondente à até três aluguéis, vigentes à época de sua instituição. Assim, depreendemos desta situação um ponto a ser avaliado como positivo no tocante à escolha da cessão de quotas de fundo de investimento como modalidade de garantia locatícia a ser pactuada no contrato de locação.

Como mencionado, as quotas de fundos de investimento, que servem como garantia locatícia, estarão sob a custódia de uma instituição financeira e a razão pela qual tais quotas estão sujeitas a este controle são as regras impostas pela Comissão de Valores Mobiliários, as quais seguem no sentido de que somente as instituições autorizadas para o exercício da administração de carteira de títulos e valores mobiliários estão autorizadas a constituir fundos de investimento que permitam a cessão de suas quotas em garantia de locação imobiliária, conforme previsto no caput, do artigo 88 desta Lei, de tal sorte que, com fulcro no § 10°, deste artigo, a instituição financeira, além de ser o agente responsável pela custódia das quotas, ficará também pela retenção e recolhimento dos impostos e contribuições incidentes sobre as aplicações efetuadas no fundo de investimento, assim como pelo cumprimento das obrigações acessórias decorrentes dessa responsabilidade.

Para que haja a efetivação da cessão de quotas de fundo de investimento como garantia locatícia, este procedimento de transferência deverá ser formalizado perante o administrador do fundo de investimento, por intermédio da ratificação do termo de cessão fiduciária, que constituirá propriedade resolúvel sobre as quotas em favor do locador. Deste modo, devendo ser respeitada a forma escrita, assim como a solenidade prevista no § 1°, do artigo 88, da Lei 11.196/2005, entendemos, com base nos artigos 104, inciso III, e 166, inciso IV, da Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 - Código Civil, que qualquer convenção desta garantia de forma verbal, ensejará em nulidade do negócio jurídico, isto em razão do descumprimento do mandamento solene insculpido no parágrafo em análise.

Outrossim, entendemos, de igual maneira, que esta interpretação estende-se à ausência do registro do termo de cessão de quotas perante o agente fiduciário, visto ser esta também uma formalidade a ser rigorosamente cumprida para que haja a instituição desta garantia. Ressalvamos, ainda, a relevância desta conduta, já que é por meio do registro que a situação jurídica das quotas ofertadas em garantia torna-se pública, fato este que, além de revestir a cessão de quotas de segurança jurídica - principalmente para o locador, que poderá transformar-se em eventual credor -, também reduzi-se o risco de ocorrer a transferência fraudulenta da titularidade destas mesmas quotas para terceiro de boa-fé, desconhecedor da situação jurídica real destes valores mobiliários, o que resultaria em prejuízo em desfavor do locador.

Determina a Lei 11.196/2005, em seu artigo 88, § 3°, que a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento como garantia locatícia, mediante o cumprimento dos trâmites já examinados, constituirá regime fiduciário sobre as quotas cedidas, quer pelo locatário quer por terceiro cedente, tornando-se estas indisponíveis (isto é, não sendo passível de disponibilidade para negociações), inalienáveis (ou seja, que não poderão ser vendidas pelo seu titular) e impenhoráveis (o que significar dizer que estas quotas não poderão ser utilizadas como quitação de dívidas para outros credores, senão daquelas oriundas do contrato de locação, garantido pela cessão fiduciária operada), passando a ser o agente fiduciário a instituição financeira administradora do fundo de investimento.

Logo, pela imposição dos mencionados regimes jurídicos, o ato de transferência da titularidade sobre as quotas vinculadas à cessão fiduciária ficará amplamente limitado, evitando-se, deste modo, que, no momento da execução destes bens jurídicos incorpóreos, perante o Poder Judiciário ou em caráter extrajudicial, quaisquer revés à consumação da própria garantia contratada. Assim, consideramos ser este aspecto uma das vantagens em se optar por esta modalidade de garantia.

Há de cumprir-se também o dever de entregar uma via do contrato de locação firmado pelas partes, documento no qual deverá constar a existência, as condições e o prazo de vigência da cessão das quotas, podendo ser este determinado ou indeterminado, conforme previsto no § 4°, do artigo 88, da Lei 11.196/2005. Logo, em decorrência da liberdade de escolha ofertada pelo legislador às partes contratantes, três são os cenários possíveis.
Inicialmente, como primeira hipótese, em sendo a garantia contratada por prazo inferior face ao tempo de vigência do contrato de locação, quando alcançado o termo final, por consequência, estará a garantia extinta, interrompendo, deste momento por diante, a responsabilidade do garantidor, restando, por consequência, desprovido de garantia o contrato de locação.

Já como segunda situação, caso a garantia seja convencionada pelas partes contratantes por período igual ao do instrumento de locação, em ocorrendo a prorrogação do contrato por força do artigo 39 da Lei 8.245/1991, estará a garantia reflexamente estendida por prazo indeterminado. E somente será interrompida a garantia no momento em que a posse do objeto da locação for restituída à parte locadora, seja em função da entrega das chaves ao locador, seja em razão da imissão na posse do imóvel locado ou de seu respectivo despejo.

Como terceira, e última, situação possível para o caso em estudo, em sendo pactuada a garantia por prazo indeterminado desde o início da locação, a cessão fiduciária em garantia restará vinculada ao tempo de vigência do contrato de locação, isto em função de sustentar posição de contrato acessório, instrumento este conectado intimamente ao contrato garantido, o principal, de sorte que o cedente-devedor permanecerá responsável pelo cumprimento das obrigações contratuais até a data na qual a posse do prédio locado seja restabelecida ao locador.

Dentro deste contexto, importante destacar que, quando o cedente (agente responsável por ceder as quotas em garantia) não for o próprio locatário, mas for terceira pessoa, deverá esta ratificar o contrato de locação, na qualidade de garantidor, conforme prevê o enunciado do § 2°, do artigo 88, da Lei 11.196/2005. Aplicando raciocínio reverso ao dispositivo em exame, compreendemos que, figurando também o locatário como garantidor, isto é, sendo ele o próprio cedente das quotas, tornar-se-á dispensável o par de assinaturas, pois a cessão fiduciária de quotas será contratada no ato da assinatura do contrato de locação, neste instrumento ou em contrato apartado.

Ante o exposto, evidencia-se que o procedimento de cessão da titularidade das quotas, inicialmente transferirá a propriedade sobre estas tão somente caráter resolúvel, o que significar dizer que a titularidade do locador sobre as quotas estará subordinada a uma condição resolutiva, isto é, que poderá ser levada a termo no caso desta condicionante ser alcançada, fato este que fará com que a titularidade sobre as quotas retorne do locador para o locatário ou terceiro.

Em vista do caráter resolúvel ora em comento, as quotas que foram transferidas e cedidas em garantia, ficarão sob a propriedade do locador pelo prazo em que o contrato de locação viger, a fim de que este, através de procedimento próprio - que será abordado mais adiante -, possa utilizá-las como meio de solver débitos oriundos da relação ex locato e provenientes do descumprimento dos deveres locatícios pelo locatário.

Por conseguinte, em referência às locações de imóveis urbanos, considera-se como condição resolutiva o término da relação contratual estabelecida entre os contratantes, locador e locatário, independentemente do modo e do motivo, se por denúncia, se em decorrência da prática de infração legal ou contratual, dentre outros. Todavia, ressalvamos, desde logo, que os efeitos desta condição somente serão operados em favor do locatário quando este, tendo cumprido integralmente as obrigações firmadas no contrato de locação, estiver em dia com seus deveres contratuais, não podendo haver quaisquer pendências de caráter financeiro ou obrigacionais que resultem em consequências patrimoniais negativas em desfavor do locador.

Em ocorrendo, pois, o término da relação locatícia e estando o locatário inadimplente com alguma ou algumas obrigações e/ou havendo pendências oriundas do contrato de locação, as quotas não retornarão para a titularidade do locatário, ou de terceiro cedente, mas permanecerão sob a propriedade do locador pelo o motivo informado e para o fim destacado anteriormente, em vista da mora do locatário.

Fundamentado na doutrina civilista atual, a mora poderá ser qualificada como suportável ou insuportável, isto a critério do locador, por questões de conveniência e oportunidade, sendo este o agente que determina o limite tolerável para o atraso no cumprimento das obrigações contratualmente estabelecidas para o locatário.

Destarte, com escopo nos §§ 6° e 7°, da Lei 11.196/2005, na situação em que o locatário estiver em mora, ou seja, quando este não tiver efetuado o pagamento ou cumprido a obrigação no tempo, no lugar ou na forma convencionada entre as partes no contrato de locação, entendemos ser dois os caminhos pelos quais poderá o locador percorrer.

O primeiro deles, desenvolver-se-á na esfera extrajudicial, situação em que deverá o locador notificar extrajudicialmente o locatário (ou, na hipótese de terceiro ser o cedente das quotas, ambos), comunicando o prazo de dez dias para quitação integral da dívida, sob pena de, em caso de descumprimento, ser promovida a excussão extrajudicial da garantia locatícia.

Assim, transcorrido o prazo sem que tenha havido o pagamento do débito, o locador, mediante requisição à instituição financeira responsável pela administração do fundo, solicitará a transferência das quotas ofertadas em garantia, quantas bastem para solver a obrigação pendente, restando limitada à quantia cedida em garantia. Sob este prisma, entendemos que, não sendo as quotas suficientes para suprir o valor total da dívida, poderá o locador, pelos meios próprios e, agora, judicialmente, penhorar outros bens do locatário, buscando satisfazer seu crédito, não podendo serem atingidos outros bens do cedente, senão aqueles concedidos em cessão fiduciária, caso seja este pessoa distinta da do locatário, em vista da responsabilidade estar circunscrita aos valores mobiliários que foram cedidos em garantia ao cumprimento das obrigações locatícias.

Nessa sentido, a propriedade sobre as quotas, que, no momento inicial da locação, quando estas foram ofertadas para garantir eventuais débitos e transferidas provisoriamente para o locador, apresentava caráter resolúvel, serão transferidas plenamente para este, por intermédio do cumprimento da excussão extrajudicial, e em caráter exclusivo e irrevogável, tornando-se parte de seu patrimônio.

Em vista do exposto, salientamos que o artigo 1365, caput e parágrafo único, do Código Civil, não tem aplicação prática na hipótese em que a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento for instituída como modalidade de garantia locatícia, pois, do contrário, se inviabilizaria a efetividade desta garantia, a qual resulta da transmissão das quotas do fundo de investimento ao credor nos casos em que ocorrer inadimplemento por parte do locatário, sem que, para isto, haja a necessidade de manifestação por parte do Poder Judiciário, tornando, por assim ser tratada, a cessão fiduciária em garantia mais atrativa para os locadores.

Ademais, concluída a transferência das quotas do fundo de investimento para o locador, nas condições descritas anteriormente, poderá este, ainda, promover a respectiva ação de despejo, visando, em definitivo, resolver a relação contratual e reaver o imóvel locado para si, além de poder demandar, por via de ação de execução, o locatário pela diferença que, porventura, possa existir, na hipótese em que a garantia oferecida pelo locatário se mostre insuficiente face ao valor da dívida.

Já o segundo caminho que poderá ser percorrido pelo locador, é trilhado na esfera judicial diretamente. Neste caso, ao locatário é concedido o direito purgar a mora, podendo, inclusive, manter vigente o contrato de locação, conforme encontra-se previsto no inciso II e seguintes, do artigo 62, da Lei 8.245/1991. Ressalta-se, por oportuno, que optando o locador por demandar judicialmente o locatário pelo inadimplemento ou descumprimento contratual, somente poderá realizar a excussão das quotas cedidas em garantia extrajudicialmente após ter transcorrido o prazo para purgação da mora. Todavia, não ficará o locador impedido de buscar a penhora das quotas do fundo de investimento, valendo-se, para tanto, do procedimento referente ao cumprimento de sentença.

Dada a relevância do ato expropriatório e em razão de ser considerado uma violência patrimonial legalmente instituída, mas, em boa parte das casos, deveras necessária, houve por bem o legislador, objetivando coibir quaisquer condutas fraudulentas por parte do locador, ou do conluio formando entre este e o gestor do fundo de investimento, almejando se beneficiar do patrimônio alheio sem que haja, para tanto, situação de inadimplência pendente, destacar categoricamente a responsabilidade do locador, quando este promover a excussão extrajudicial de forma indevida, pelo prejuízo que causar ao locatário, ou terceiro cedente, sendo obrigado também a proceder com a devolução das quotas, ou do valor correspondente atualizado, conforme prescrito no § 8°, do artigo 88, da Lei 11.196/2005.

Dentro deste contexto, de acordo com o § 9°, deste mesmo artigo, a instituição financeira somente responderá pelos prejuízos dispostos nos parágrafos mencionados acima, nas hipóteses em que houver comprovado dolo, má-fé, simulação, fraude ou negligência, no desempenho da administração do fundo de investimento, situações nas quais sua responsabilização estabelecer-se-ia somente quando sua performance fosse qualificada como culposa latu senso, sendo prestigiada, deste modo, a teoria da responsabilidade subjetiva.

Já em se tratando da hipótese em que ocorrer a prorrogação automática do contrato de locação, prevista no § 5°, em sendo o cedente terceira pessoa distinta da do locatário, permanecerá responsável por todos os efeitos provenientes da relação ex locato pelo prazo que perdurar a relação ex locato, independentemente de manifestação de concordância positiva para tanto em eventual aditivo. Por oportuno, recomendamos que seja consignado no bojo do contrato de locação a presente situação, no sentido de documentar a prorrogação da cessão fiduciária em garantia quando ocorrer a dilação do prazo do contrato de locação, buscando, desta maneira, minimizar entendimentos e vertentes que coloquem em situação sensível a manutenção da garantia contratada.

Todavia, ressalva a Lei, que ao cedente é garantido o direito de exonerar-se das responsabilidades advindas da garantia ofertada, a qualquer tempo, devendo ser promovida por via de notificação endereçada ao locador, ao locatário e à administradora do fundo de investimento - quando o cedente for pessoa distinta da do locatário -, devendo ser respeitado o prazo de antecedência mínimo de trinta dias. E, neste caso, visando dar continuidade à locação firmada com o locador, caberá ao locatário oferecer nova garantia, sob pena de, em caso negativo, incidir em descumprimento contratual, que poderá culminar em ação de despejo, promovida esta pelo locador, e com efeitos liminares, de acordo com a previsão do artigo 59, § 1°, inciso VII, da Lei 8.245/1991.

Sobre esta temática, nos parece desarrazoado validar o ato de exoneração do garantidor quando o garantido estiver em mora com suas obrigações locatícias. Portanto, nas situações em que o locatário não estiver em dia com seus respectivos deveres, advogamos no sentido de que não poderá o cedente exonerar-se das responsabilidades oriundas do contrato de locação, sob pena de, no momento em que for necessário excutir a garantia para o fim de solver eventual dívida, se deparar o locador com uma garantia ineficiente.

Derradeiramente, tendo como base o artigo 40 da Lei do Inquilinato, dispositivo no qual constam o rol de situações nas quais poderá o locador exigir do locatário a substituição da modalidade de garantia firmada no contrato de locação, nota-se que, com a promulgação da Lei 11.196, de 21 de Novembro de 2005, ao artigo em destaque foram incluídas as situações dispostas nos incisos VIII e IX, respectivamente. Logo, com o advento desta modalidade de garantia contemporânea ao rol das garantias locatícias clássicas, ato contínuo houve por bem o legislador constituinte determinar regramento próprio para os casos em que a cessão de quotas de fundo de investimento tornar-se inócua.

Nesse sentido, tais inovações jurídicas possibilitaram ao locador, nos casos em que ocorrer a exoneração de garantia constituída por quotas de fundo de investimento (inciso VIII) ou houver a liquidação ou encerramento do fundo de investimento, gestor das quotas que foram cedidas a título de garantia, com base no artigo 37, inciso IV, da Lei 8.245/1991 (inciso IX), requerer do seu inquilino a substituição da proteção contratualmente estabelecida pelas partes, sob pena de, caso seja do interesse do locador, ser resolvida a relação ex locato, sem prejuízo das demais penalidades previstas no instrumento de locação.

1 - A Comissão de Valores Imobiliários (CVM), instituída pela Lei 6.385, de 7 de Dezembro de 1976, com sede no Rio de Janeiro, é uma autarquia ligada ao Ministério da Fazenda da União, responsável por normalizar, fiscalizar e disciplinar, o mercado de valores mobiliários e seus respectivos integrantes.

Rubens Van Moorsel Filho - Advogado, Professor, Corretor de Imóveis e Perito Judicial, especializado em Direito Imobiliário.
Fonte: Van Moorsel Advogados

quinta-feira, 5 de abril de 2018

A RESCISÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL E A SÚMULA 543 DO STJ



Nos dias atuais, principalmente diante da situação econômica experimentada pelo Brasil, um dos principais problemas vividos pelo comprador de imóvel na planta diz respeito à rescisão do compromisso de compra e venda, conhecido como distrato.

Verificada a grandiosa ocorrência de demandas envolvendo a compra e venda de imóvel, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 543, regulamentando como deve ser a decisão judicial sobre a rescisão nos contratos de compra e venda de imóveis. A propósito, veja-se:

“Súmula nº 543 do STJ - Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”(grifei).

A súmula consolida aquilo que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já vinha decidindo, trazendo importante discussão acerca da impossibilidade de retenção de valores por parte das construtoras ou incorporadoras, na hipótese de rescisão contratual por sua culpa exclusiva (atraso na entrega da obra, por exemplo).

Por sua vez, a súmula deixa em aberto o percentual a ser restituído em caso de desistência do comprador, ao estipular que: “Ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.

Respeitando aqueles que pensam de forma diversa, entendemos que, quando a desistência ocorre em razão de culpa do comprador (impossibilidade de continuar com o pagamento, por exemplo), a construtora tem o direito de reter apenas e tão somente 10% dos valores efetivamente pagos, uma vez que o imóvel poderá ser comercializado novamente.

Aliás, diferente não é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS. PROPORCIONALIDADE. CC, ART. 924. I - A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça está hoje pacificada no sentido de que, em caso de extinção de contrato de promessa de compra e venda, inclusive por inadimplência justificada do devedor, o contrato pode prever a perda de parte das prestações pagas, a título de indenização da promitente vendedora com as despesas decorrentes do próprio negócio, tendo sido estipulado, para a maioria dos casos, o quantitativo de 10% (dez por cento) das prestações pagas como sendo o percentual adequado para esse fim. II - E tranquilo, também, o entendimento no sentido de que, se o contrato estipula quantia maior, cabe ao juiz, no uso do permissivo do art. 924 do Código Civil, fazer a necessária adequação” (STJ; AgRg no REsp 244.625/SP; relator ministro Antônio de Pádua Ribeiro; julgado em 9/9/2001 — grifei).

Assim, na primeira situação, caso a culpa pela rescisão do contrato seja exclusivamente da construtora ou incorporadora (hipóteses como atraso no prazo de conclusão e entrega, problemas apresentados pelo imóvel etc.), fica estabelecida a restituição de todo o valor pago pelo comprador, de uma só vez, com juros e correção monetária. Ainda, na hipótese de atraso na entrega da obra, perfeitamente possível existir pedido de indenização por danos morais e materiais, conforme análise do caso em concreto.

Na segunda situação, caso a rescisão do contrato de compra e venda ocorra por culpa exclusiva do comprador (hipóteses como arrependimento na compra, negativa de financiamento pelas instituições financeiras, dificuldade no pagamento das parcelas etc.), a construtora ou incorporadora poderá reter parte do valor pago para ressarcir as despesas administrativas, tais como corretagem e assessoria “sati”, publicidade e outras. Nesse sentido, os tribunais têm reconhecido como abusiva a cláusula que prevê retenção maior do que 10% do valor efetivamente pago pelo comprador.

Registre-se, por fim, que a citada súmula é aplicável apenas nos casos em que há aplicação das normas previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Antonio Marcos Borges da Silva Pereira
Fonte: Revista Consultor Jurídico

terça-feira, 3 de abril de 2018

O INVENCÍVEL MITO DA FRAÇÃO IDEAL NA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA



Quando escrevi aqui* sobre a confusão envolvendo a gênese do condomínio edilício, prometi tratar, depois, da fração ideal.

E faço isso porque, ainda hoje, continuo lendo e ouvindo, de muitos condôminos, administradores, empresários, advogados, notários, registradores, promotores e magistrados, que a fração ideal, na incorporação imobiliária, deve ser calculada de acordo com a fórmula prevista na NBR 12.721, elaborada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), e que guarda relação com o tamanho da unidade autônoma.

Para mim, entretanto, isso é tão verdadeiro quanto a antiga afirmação de que beber leite com manga pode matar.

Ao contrário do que muitos supõem, a fração ideal não tem, juridicamente, relação com o tamanho da unidade imobiliária. Nada. Um apartamento de 200m² pode, sem nenhuma ilegalidade, ter uma fração ideal menor que outro de 100m², no mesmo condomínio. O fato disso ser incomum revela apenas o que pretendo demonstrar com este breve texto: calcular a fração ideal segundo a NBR 12.721 é um hábito do incorporador brasileiro; e está longe de ser uma obrigação.

Fração ideal, parte ideal, cota parte, ou como queiram chamar, significa a quantidade de propriedade que o titular da unidade tem nas partes comuns do condomínio. Se ao apartamento "x" de um dado prédio corresponde a fração de 0,05 (ou 1/20), isso significa dizer que seu titular tem 5% do terreno e das demais partes comuns. Se o prédio ruir e a assembleia geral decidir vender o terreno com o que sobrou, esse condômino fará jus a 5% do preço. Quanto a isso, funciona exatamente igual ao condomínio voluntário (ou ordinário), onde tudo é coisa comum: quanto maior a fração, maior a fatia de propriedade de seu titular.

Reparem que nem mesmo com relação às despesas existe a obrigação de correspondência. O art. 1.336, I, do CC, estabelece que o condômino participará do rateio das despesas de acordo com sua respectiva fração ideal, salvo se a convenção estabelecer outro critério. Idem para a votação (art. 1.352, p. único).

Então, é importante saber que estamos diante de três conceitos juridicamente autônomos entre si: fração ideal, área privativa da unidade, e coeficiente de rateio de despesas. Eles podem ou não coincidir, a depender da vontade do instituidor (criador) do condomínio e da respectiva convenção.
Na legislação brasileira, a fração ideal de cada unidade era, até julho/2017, regulada por três dispositivos:

(i) o art. 32, "i", da lei 4.591/64, que trata do memorial de incorporação, exige que uma das informações a serem apresentadas ao cartório de Registro de Imóveis seja a "discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão";

(ii) o art. 1.332 do CC (lei 10.406/02) estabelece que o condomínio edilício é instituído por ato entre vivos registrado no cartório de Registro de Imóveis, "devendo constar daquele documento" ... "a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns"; e

(iii) o art. 1.331 do mesmo CC dispõe, em seu §3º, que a "cada unidade imobiliária caberá... uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio".

Com a entrada em vigor da lei 13.465/17, o CC ganhou o art. 1.358-A, cujo parágrafo 1º estabelece que "a fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição". Lógico! E isso deveria tornar este artigo inócuo, pois, muitos dirão, com razão: agora a lei, que já não engessava o critério de cálculo da fração, é expressa em enunciar a liberdade do instituidor do condomínio! Que nada. A ligação psicológica fração-área é enraizada tão profundamente que haverá alguém dizendo que isso é a prova do contrário! Sob a força do viés de confirmação, argumentar-se-á que, estando a regra na Seção IV, só o incorporador de condomínio de lotes desfrutaria dessa autonomia. Aliás, será que o legislador incluiu o parágrafo pensando em evitar a polêmica, ou será que ele próprio quis abrir uma desnecessária exceção? Errou em qualquer caso. E como podem ver, a novidade não enterra a celeuma.

Pois bem. Notem que nenhum dos três dispositivos estabelece um modo de cálculo da fração ideal, limitando-se a exigir: (i) que toda unidade condominial tenha uma fração; e (ii) que a fração deverá ser representada em forma decimal ou ordinária.

O art. 1.331, §3º, do CC, na verdade é uma repetição do que já existia na lei 4.591/64, cujo artigo 1º, §3º, revogado pelo CC, já dispunha que "a cada unidade caberá, como parte inseparável, uma fração ideal do terreno e coisas comuns, expressa sob forma decimal ou ordinária".

Vejam, portanto, que a liberdade no cálculo da fração ideal já vigorava desde o ano de 1964, exceto por um breve período de interrupção. A redação original do art. 1.331, §3º, do CC, que entrou em vigor em janeiro/2003, previa que "a fração ideal no solo e nas outras partes comuns é proporcional ao valor da unidade imobiliária, o qual se calcula em relação ao conjunto da edificação".

Essa obrigatoriedade de calcular a fração de acordo com o valor da unidade a ela correspondente foi tão mal recebida que um ano depois o dispositivo foi alterado pela lei 10.934/04, valendo a atual redação, que trouxe de volta a discricionariedade no cálculo.

Em resumo, a cronologia legal foi a seguinte:
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A Lei de Incorporações, no art. 32, ao tratar do memorial descritivo (alínea "e"), exige que ele seja feito "conforme modelo a que se refere" o art. 53, IV, da mesma lei. Idem para a avaliação do custo global da obra (alínea "h"), que deve ser calculada "de acordo norma do inciso III, do art. 53".

O artigo 53, acima referido, estabeleceu, na época, que o então Banco Nacional da Habitação celebraria contratos com a ABNT, a fim de criar os modelos indicados no art. 32.

Esses modelos, atualmente, constam, como já dito antes, da NBR 12.271 publicada pela ABNT. O incorporador deve, obrigatoriamente, seguir os modelos ali dispostos quanto ao custo global da obra e ao memorial descritivo. Porém, não há obrigatoriedade de se utilizar a referida NBR para o cálculo da fração ideal.

Na prática, os incorporadores geralmente (mas nem sempre!) atribuem às frações ideais os mesmos valores dos "coeficientes de proporcionalidade" que a aludida NBR fornece.

O importante a se ter em mente, entretanto, é que tais coeficientes não correspondem, juridicamente, às frações ideais. Essa equivalência surge de uma opção do próprio incorporador, não apenas por comodidade (os programas baseados na NBR disponibilizam os valores automaticamente), mas também pelo hábito de pensar que a fração ideal, naturalmente, deve ser razoavelmente proporcional à área privativa da unidade.

Portanto, não se deixem iludir: do ponto de vista jurídico, não há proporção obrigatória entre cota-parte e tamanho da unidade imobiliária, e o incorporador tem liberdade para fixar as frações conforme o critério que lhe seja mais conveniente. E que esse mito capaz de impedir, em certos casos, o desenvolvimento de interessantes estruturas condominiais, possa ser aos poucos, e completamente, suplantado. Quem sabe um dia?

André Abelha - Sócio do escritório Castier/Abelha Advogados.
Fonte: Migalhas de Peso